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quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

A CRISE DA MORTE

São estes os detalhes fundamentais, a cujo respeito se acham de acordo os Espíritos autores das mensagens, salvo sempre inevitáveis exceções, que confirmam a regra e que, por vezes, intervêm, modificando, restringindo, eliminando algumas das experiêncías habituais, inerentes à crise da morte, ou, então, determinando a realização de outras experiências, desabituaís no período de início da existência espiritual:

  • 1º) Todos os Espíritos afirmam se terem encontrado novamente com a forma humana, nessa existência, após a morte;

  • 2º) Terem ignorado, durante algum tempo, que estavam mortos;

  • 3º) Haverem passado, no curso da crise pré-agônica, ou pouco depois, pela prova da reminiscência sintética de todos os acontecimentos de existência que se lhes acabava (“visão panorâmica”, ou “epílogo da morte”); (Ver: Revisão das experiências)

  • 4º) Terem sido acolhidos no mundo espiritual pelos Espíritos das pessoas de suas famílias e de seus amigos mortos;

  • 5º) Haverem passado, quase todos, por uma fase mais ou menos longa de “sono reparador”;

  • 6º) Terem-se achado num meio espiritual radioso e maravilhoso (no caso de mortos moralmente normais), e num meio_tenebroso e opressivo (no caso de mortos moralmente depravados);

  • 7º) Terem reconhecido que o meio espiritual era um novo mundo objetivo, substancial, real, análogo ao meio terrestre espiritualizado; (Ver: Mundo espiritual próximo à esfera física)

  • 8º) Haverem aprendido que isso era devido ao fato de que, no_mundo_espiritual,_o_pensamento_constitui_uma_força_criadora, por meio da qual todo Espíríto existente no “plano astral” pode reproduzir em torno de si o meio de suas recordações;

  • 9º) Não terem tardado a saber que a transmissão do pensamento é a forma da linguagem espiritual, se bem certos Espíritos recém-chegados se iludam e julguem conversar por meio da palavra;

  • 10º) Terem verificado que, graças à faculdade da visão espiritual, se achavam em estado de perceber os objetos de um lado e outro, pelo seu interior e através deles;

  • 11º) Haverem comprovado que os Espíritos se podem transferir temporariamente de um lugar para outro, ainda que muito distante, por efeito apenas de um ato da vontade, o que não impede também possam passear no meio espiritual, ou voejar a alguma distância do solo;

  • 12º) Terem aprendido que os Espíritos dos mortos gravitam fatalmente e automaticamente para a esfera espiritual que lhes convém, por virtude da “lei de afinidade”.
    (Ver: Simpatia_entre espíritos)

        Para atingir o fim a que me propunha, era-me, primeiramente, indispensável demonstrar, de modo adequado, que as “revelações transcendentais”, longe de se contradizerem mutuamente, concordam entre si e se confirmam umas às outras. Era-me preciso demonstrar, ao mesmo tempo, que essas concordâncias não podem ser atribuídas nem a “coincidências fortuitas”, nem a reminiscências subconscientes de conhecimentos adquiridos pelos médiuns (criptonesia).

        Acrescentarei que, nos casos examinados, além das concordâncias sobre os detalhes fundamentais, com outra se deparam, de natureza secundária, que, conforme já fiz notar, são teorícamente ainda mais importantes do que as concordância primárias, por isso que cada vez mais difícil tomam o explicá-los pelas hipótese das “coincidências fortuitas” e da “críptomnesía”, sempre que os detalhes a que me refiro concernem a incidentes cada vez mais insignificantes, ou inesperados, ou, ainda, singulares.
Dentre os detalhes secundários das “revelações transcendentais”, assinalo os seguintes:

  • 1º) Os Espíritos que se comunicam são acordes em afirmar que e Espíritos dos mortos, a quem nos ligamos em vida, intervêm para acolher e guiar os recém-desencarnados, antes que haja começado a fase do “sono reparador’.

  • 2º) Quando os Espíritos referem ter visto seus cadáveres no leito de morte, geralmente falam do fenômeno do “corpo_etéreo”, a se condensar acima do “corpo_somático”. Este detalhe concorda, quase sempre, com o que constantemente afirmam os videntes que hão estado à cabeceira de moribundos. (Ver: Experiência de quase-morte)

  • 3º) Eles dizem, de comum acordo, que, assim como não pode haver individualidades vivas absolutamente ídênticas, também não podem existir, desencamadas, individualidades idênticas ao ponto de terem que percorrer a mesma escala de elevação espiritual. Segue-se que, mesmo para aquelas que são chamadas “almas_gêmeas” na existência terrestre, um momento chega em que cumpre se separem no mundo espiritual, se bem possam ver-se quando o queiram.

  • 4º) Acham-se de acordo em afirmar que, embora os Espíritos tenham a faculdade de criar mais ou menos bem, pela força do pensamento, o que lhes seja necessário, todavia, quando se trata de obras complexas e importantes, a tarefa é confiada a grupos de Espíritos que nisso se especializaram.

  • 5º) São unânimes em afirmar que os Espíritos dos defuntos, quando dominados por paixões_ humanas, se conservam ligados ao meio onde viveram, por um lapso mais ou menos longo de tempo. Segue-se que, não podendo gozar do benefício do sono reparador, esses Espíritos persistem na ilusão de se julgarem ainda vivos, se bem que presas de estranho sonho, ou de um opressivo pesadelo. Neste caso, tornam-se, muitas vezes, “Espíritos assombradores”, ou “perseguidores”. (Ver: Sofrimento espiritual)

  • 6º) Informam-nos, unanimemente, que no mundo espiritual os Espíritos_hierarquicamente_inferiores não podem perceber os que lhes são superiores. Isto se dá em conseqüência de serem diversas as tonalidades vibratórias de seus “corpos etéreos”.

  • 7º) Mostram-se de acordo em afirmar que as dilacerantes crises de dor, que freqüentemente se produzem junto dos leitos de morte, não somente são penosas para os Espíritos dos defuntos, como os impedem de entrar em relação com as pessoas que lhes são caras e os retêm no meio terrestre.

  • 8º) Finalmente, afirmam em uníssono que algumas vezes, quando se encontram sós e tomados de incertezas e perplexidades de toda sorte, percebem uma voz que lhes chega de longe e os aconselha sobre o que devem fazer. É uma voz vinda de Espíritos amigos que, tendo-lhes percebido de modo telepático os pensamentos, se apressam em lhes transmitir seus conselhos.

        Ninguém pode deixar de perceber que as concordâncias cumulativas, acerca de numerosos detalhes secundários desta espécie, são inexplicáveis por quaisquer teorias, exceto por aquela segundo a qual se supõe que, sendo as personalidades medíúnicas, com efeito, Espíritos de mortos, essas personalidades relatam circunstâncias verídicas e comuns à experiência de todos. Neste caso, o fato das concordâncias nas revelações transcendentais não implicaria um enigma a resolver-se; tudo se explicaria da maneira mais simples e natural.
Esta conclusão já se desenha como racionalmente inevitável. Contudo, ainda nos resta discutir o segundo problema a que dá lugar a tese com que nos ocupamos, isto é, o que diz respeito à possibilidade de serem essas concordâncias atribuídas a “coincidências fortuitas”, ou a reminiscências subconscientes de conhecimentos adquiridos pelos médiuns (criptomnesia).

  • Excluo sem hesitação a hipótese das “coincidências fortuitas”, que não se sustenta em face da natureza das concordâncias assinaladas, sobretudo se se levar em conta que a eficácia demonstrativa dessas concordâncias reveste caráter cumulativo.

  • Resta a hipótese da “criptomnesía”, segundo a qual os médiuns teriam aprendido de antemão os informes que dão sobre o mundo espiritual. Se assim fosse, uma vez que eles se não lembrassem mais de tais informes, mister se faria supor que estes emergiram de suas subconsciêncías, em virtude das condições mediúnicas. Esta hipótese se pode combater por meio de numerosas objeções-refutações.

        A hipótese das “coincidências fortuitas” consiste nisto: seria absolutamente arbitrário e contrário à lógica supor-se que todos os médiuns, com cujo auxílio as mensagens foram obtidas, devessem! possuir erudição completa, relativamente às doutrinas espíritas. O bom senso bastaria para demonstrar a priori que esta tese não é sustentável. Em todo caso, os fatos mostram, a posteriori, que é errônea.

  • Em algumas comunicações transcendentais, pouco havia que os médiuns se consagravam às pesquisas mediúnicas e nada conheciam, ou quase nada, das doutrinas espírítas.
  • Outras, os médiuns jamais se haviam consagrado a pesquisas mediúnicas, tudo ignoravam a esse respeito e só em conseqüência da morte súbita de algum dos membros de suas famílias foram levados a ocupar-se com tais pesquisas; revelaram-se então, repentínamente, dotados de faculdades mediúnicas.

        Acrescentarei mesmo que tudo contribui para demonstrar que, ainda nos casos em que intervêm médiuns bem ao corrente das doutrinas espíritas, a aludida objeção não basta para explicar as revelações obtidas com o auxílio deles, em as quais sempre se encontram detalhes que escapam, por muitas razões, àquela objeção. Tampouco se deve esquecer certas circunstâncias colaterais, altamente significativas, que decorrem dessas revelações, indicando ser estranha ao médium a origem delas. Assim, por exemplo, quando a entidade que se comunica dá provas admiráveis de identificação pessoal, logicamente se deve concluir que, se a entidade se mostrou veraz nas informações verificáveis, transmitidas no curso de sua mensagem, legítimo é seja considerada veraz também nas informações não verificáveis, que a mesma mensagem contenha. Atente-se ainda em que, muitas vezes, no correr das narrativas de episódios da existência espiritual, vêm intercaladas informações veríficáveís que se mostram admiravelmente verídicas.

  • Ponderarei, finalmente, que, se as “revelações transcendentais” fossem, em massa, “romances subliminais”, não só deveriam contradizer-se mutuamente, não só não deveriam produzir-se ao mesmo tempo que se produzem provas de identificação espírita, como, sobretudo, deveriam refletir, em grande parte, as crenças da ortodoxia cristã, no tocante à modalidade da existência espiritual — crenças que os médiuns assimilaram com o leite materno.

  • Pelo contrário, nada disto ocorre. Desde os primeiros tempos do movimento espírita, as personalidades_mediúnicas deram, sobre a existência espiritual, as mesmas informações que presentemente dão, informações que contrastam, em absoluto, com as crenças que os médiuns e os assistentes professam. Observarei que esta circunstância foi causa de grandes decepções para os primeiros espíritas, que, pela aparente obscuridade de tais narrativas, se viram levados a supor que estavam sendo constantemente joguete de “Espíritos inferiores”.

        Até aos nossos dias, as narrações dos Espíritos pareceram mesmo aos pensadores ponderados, sem distinção de escola, de tal modo absurdas, inverossímeis, antropomórfícas, puerís e ridículas, que os induziram a negar todo valor ao conjunto das revelações transcendentais. Mas, as últimas descobertas no domínio das forças psíquicas, até aqui ignoradas, prepararam de súbito o terreno para que aquelas narrações fossem compreendidas e apreciadas. Com efeito, as pretendidas inverossimilhanças nos fenômenos acharam seu paralelo em experiências análogas, que se realizam no mundo dos vivos. (Ver: William Crookes)
        O problema das “revelações transcendentaís” passou assim a se apresentar, à razão sob aspecto muito outro, fazendo entrever a verossimilhança e mesmo a necessidade psicológica de uma primeira fase de existência espiritual, a desenrolar-se num meio, qual o descrevem, de comum acordo, as personalidades dos defuntos que se comunicam.
        O valor teórico inerente à circunstância de serem contrárias às opiniões dos próprios médiuns, e de toda gente, as informações que aqueles, desde 1853, davam acerca da existência espiritual, não escapara à mentalidade investigadora do Dr. Gustavo Geley, que a ele alude nos termos seguintes:

  • Concluamos, pois, que todas as objeções tão levianamente feitas ao Espiritismo, a propósito do conteúdo intelectual das comunicações, a propósito das obscuridades, das banalidades, das mentiras, das contradições que elas contêm, não são razoáveis. Ainda mais, o caráter das comunicações, diferentes do que se poderia supor a priori, no começo do movimento esplrita, contrário às idéias que se faziam em geral sobre o “Além”, de acordo com o “espiritismo religioso”, constitui uma prova a favor da doutrina que as soube verificar e explicar tão completamente. (Ensaio de Revista Geral do Espiritismo.)

        é precisamente isso. Fica, pois, entendido que a circunstância de as personalidades dos defuntos descreverem, desde o começo do movimento espírita, modalidades de existência espiritual, em oposição diametral às opiniões dos médiuns, dos assistentes e do meio cristão em geral, poderia bastar para excluir as hipóteses da sugestão, da auto—sugestão e dos “romances subliminais”.
        Entenda-se, porém, que falo do conjunto das “revelações transcendentais”, que realmente o sejam. Antes de incluir, numa classificação científica, coleções de revelações desta espécie, é necessário se lhes examine diligenternente, severamente, o conteúdo, submetendo-as ao sistema da análise comparada e da convergência das provas. Como já eu disse, entre as provas que contribuem para lhes assinalar origem estranha ao médium, cumpre se registrem os episódios de identificação pessoal do defunto que se comunica e, sobretudo, os detalhes cuja veracidade se possa comprovar e que, muitas vezes, se encontram intercalados nas descríções da existência espiritual, detalhes que, nesse sentido, são de excepcional eloqüência.
Todos sabemos, por experiência, quão indispensável é esse trabalho preliminar de seleção, no que respeita a “revelações transcendentais”, pois que, no curso das sessões particulares, sucede com freqüência aparecerem pseudomediunidades, que presenteíam os assistentes com esta espécie de narrações, porém prolixas, verbosas e vazias, cuja origem subconsciente a nenhuma dúvida pode dar lugar e nas quais as contradições não enxameiam apenas entre as afirmações dos diferentes pseudomédiuns, mas também nas que são dadas pelo mesmo indivíduo. São essas infelizes experiências que, feitas sem discernimento e sem qualquer preparação científica, lançam descrédito sobre o conjunto das “revelações transcendentais”. Não é menos de causar admiração o notar-se que, mesmo pesquisadores profundamente versados na metapsíquica — os quais deveriam saber distinguir nesse terreno — persistem em apoiar-se nesses inconsistentes produtos da atividade subconsciente, para condenar, em massa, ao desprezo, as revelações autenticamente transcendentais. Esses, pelo menos, não deveriam cair em confusões de tal natureza. Ninguém jamais se lembrou de negar a existência de uma atividade subconsciente que se manifesta por meio da “escrita_automática”; ninguém jamais pretendeu negar que a grande maioria das mensagens obtidas nas reuniões familiares, com o concurso de pseudomedíunidades de natureza Sonambúlica, pertence àquela categoria; ninguém contestou nunca que, nesse acervo de elucubrações estufadas e vazias, elas mutuamente se contradizem. Nem pode ser de outro modo, dado que se trata de elucubraçôes subconscientes, de natureza onírica, mas o senso comum devera bastar para as distinguir das mensagens autenticamente supranormais. Com efeito, um abismo se abre entre umas e outras. Em todo caso, ainda do ponto de vista científico, facilmente se chega a separá-las, submetendo-as aos quatro critérios de prova que acabo de enumerar.
Ora, como esses critérios de investigação científica foram aplicados — nos limites do possível — ao material científico que vimos de examinar, forçoso será convir em que minha obra já serve para demonstrar que o valor científico das “revelações transcendentais” não mais deve ser posto em dúvida e, por conseguinte, que os que continuarem a estudá-las ulteriormente farão trabalho altamente meritório e útil. Trata-se, efetivamente, de um ramo da metapsíquíca destinado a tornar-se o mais importante de todos e a exercer enorme influência na futura orientação da ciência, da filosofia, da sociologia e da moral.
        Resulta daí que esta análise comparada autoriza a preconizar a aurora não distante de um dia, em que se chegará a apresentar à humanidade pensante, que atualmente caminha a tatear nas trevas, um quadro de conjunto, de caráter um tanto vago e simbólico, mas verdadeiro em substância e cientificamente legítimo, das modalidades da existência espiritual nas “esferas”_mais_próximas_do_nosso_mundo, “esferas” onde todos os vivos terão que se achar, depois da crise da morte. Isto permitirá que a Humanidade se oriente com segurança para a solução dos grandes problemas concernentes à verdadeira natureza da existência corpórea, dos fins da vida, das bases da moral e dos deveres do homem. Estes deveres, na crise de crescimento que a sociedade civilizada hoje atravessa, terão que decidir dos seus destinos futuros. Quer isto dizer que os povos civilizados, se os reconhecerem e cumprirem, se verão encaminhados para uma meta cada vez mais luminosa, de progresso social e espiritual; se os repelirem, ou desprezarem, seguir-se-á necessariamente, para esses mesmos povos, a decadência, a fim de cederem o lugar a outras raças menos corrompidas do que a raça ora dominante.

- Ernesto Bozzano - 1926